Larissa Latynina: ‘Cada época tem suas lendas’

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A ginasta russa Larissa Latynina (83), que competiu pela União Soviética nas Olimpíadas de Melbourne (1956), Roma (1960) e Tóquio (1964), tendo conquistado dezoito medalhas olímpicas, sendo nove de ouro, um recorde que ela manteve por décadas, esteve em Madrid, Espanha, para receber o prêmio “Lenda”, promovido pelo jornal esportivo Diario As, no último dia 9 de dezembro.

Durante sua passagem pela cidade madrilenha, a ex ginasta concedeu uma entrevista ao jornal espanhol El País, na qual falou sobre sua infância, os horrores vividos durante a Segunda Guerra Mundial, carreira e vida pessoal.

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Abaixo, a tradução de alguns trechos da entrevista, com Latynina, conduzida pela jornalista Eleonora Giovio.

Pergunta: Qual a vida você leva?

Resposta: Meu ritmo de vida está de acordo com a minha idade [risos]. Quando estou deitada ou sentada, tenho muitos planos em mente, mas assim que me levanto, os planos começam a encolher… Eu moro no campo, em uma pequena aldeia a duas horas de Moscou.

P: A primeira coisa que você faz quando acorda?

R: Eu tento descobrir se está tudo bem e, em caso afirmativo, faço exercícios básicos de ginástica.

P: O que você disse ao Michael Phelps quando se conheceram em Londres ?

R: Minha primeira impressão foi a de que ele é um jovem muito atraente, muito legal e com senso de humor . Infelizmente, eu não falo inglês e ele não fala russo, portanto, a comunicação foi um pouco limitada. Eu dei a ele uma réplica, em cerâmica, de uma medalha comemorativa.

P: Como se consegue 18 medalhas olímpicas?

R:  Eu nunca defini este número como uma meta, apenas fazia o que meu treinador dizia.

P: Simone Biles poderia ganhar essas 18 medalhas?

R: Eu não sei, porque comparado a antigamente, a carreira esportiva de um atleta é muito curta.

P: Por quê?

R: Porque a ginástica se tornou muito complicada. Os exercícios são mais complicados, os elementos também.

P: Como era a ginástica em seu tempo?

R. Quando eu comecei, o solo era feito de madeira, logo depois colocaram um tapete muito fino; depois, entre o tapete e o solo,  começaram a colocar uma tira para amortecer. Quando vejo o solo onde competem agora, acho graça. Eu imagino que isso seria motivo de risadas, se as meninas de hoje vissem como nós competíamos. Tudo foi muito mais rígido no meu tempo. Comecei a praticar ginástica aos 12 anos de idade; Hoje, aos 12 anos, as meninas já competem na categoria júnior.

P. Como eram os treinamentos?

R. No meu tempo, treinávamos três vezes por semana… agora, elas treinam três vezes ao dia.

P. Onde você guarda as medalhas?

R: É secreto!

P. Você gosta da Simone Biles?

R. Eu realmente gosto do que ela faz. Eu gostaria que ela fosse um pouco mais alta, o que me fascina são suas habilidades acrobáticas. O que suas pernas lhe dão nos saltos e no solo é impressionante. Quando a vejo nas barras assimétricas, gostaria que suas séries fossem mais limpas, seus pés estivessem mais retos e seu corpo também durante os giros.

P. O que você lembra da sua infância em Cherson, às margens do Rio Dniepre?

R. Lembro-me da Segunda Guerra Mundial e todas as coisas horríveis que vivi. Eu me lembro dos porões aos quais tivemos que correr para nos esconder quando havia um bombardeio, eu me lembro das bombas. Espero que ninguém, na infância e em nenhuma outra idade, tenha que passar por esses momentos horríveis.

P. Seu pai morreu na batalha de Stalingrado. Você era uma menina. Quem e como lhe explicou o que é uma guerra?

R. Ninguém me explicou. Eu vi com meus olhos. Ainda tenho a imagem gravada em minha memória de quando os alemães entraram em Cherson. Era junho, fazia muito calor e havia muita poeira no ar, lembro que eles chegaram em sidecars. Foi a primeira vez que vi isso. Eles eram dirigidos por policiais, vestindo uniformes verde-oliva e grandes óculos com lentes escuras, usando algo metálico preso em seus peitos. Eu tenho essa imagem na minha memória. Minha mãe decidiu que a melhor coisa era eu deixar Cherson, mandando-me para uma pequena cidade nos arredores, com seus parentes. Ela me fez uma mochila e encheu com pães secos. Quando ela colocou em mim, perdi o equilíbrio e caí de costas. Eu me lembro do quanto ela chorou porque o pão seco foi esmagado. Eu tenho imagens horríveis de guerra em minha memória; Eu as vivi na infância, mas elas ainda estão aqui. Eu sempre tento evitá-los.

P. A ginástica era seu refúgio?

R. Sim, com o balé e a ginástica, as imagens da guerra desapareciam.

P: Falam de você como uma heroína. Você já se sentiu assim?

R. Eu nunca me senti como uma heroína. Para começar, eu só descobri que tinha o recorde de medalhas olímpicas em 1978. Até então, eu não sabia nada sobre heroísmo e lenda.

Q. Como você descobriu?

R: Trabalhei na organização dos Jogos de Moscou, em 1980, e recebi pelo correio uma cópia de um artigo publicado na Checoslováquia. Havia uma longa lista de atletas com medalhas olímpicas e vi que meu nome era o primeiro. O segundo era o de Paavo Nurmi e o terceiro Mark Spitz.

P. Do que você mais se orgulha?

R. Mais do que orgulhosa, me sinto agradecida que as pessoas se lembrem de mim; aqueles que têm mais de 35 ou 40 anos. A juventude não me conhece, mas eu entendo, porque cada época tem suas lendas.

Q. Quem foi a sua?

R. Nina Bocharova [ginasta russa que ganhou quatro medalhas nos Jogos de Helsinque, 1952]. Eu gravei sua imagem nas barras assimétricas, era incrível o quão flexível ela era. Sempre que a via, sonhava em fazer o mesmo. Agora ela tem 94 anos, vive em Kiev, nós não nos vemos há cinco anos, mas eu sei que ele ainda sobe em árvores.

P. Como você ficou quando os escândalos de abusos na ginástica americana vieram à tona?

R. Eu ouvi alguma coisa, mas consegui informações bastante limitadas. No meu tempo como ginasta e treinadora, isso não existia. São coisas que não podem ser permitidas; Eu sou contra qualquer tipo de maltrato, deve haver respeito entre uma ginasta e seu treinador. Na escola de ginástica que leva meu nome, havia a treinadora de duas ginastas muito talentosas, mas ela era muito agressiva. Ela as espancava e usava palavras muito duras. Quando eu a chutei, as duas ginastas foram com ela… Eu tive muita sorte na minha vida. Em Kherson, eu tive um excelente treinador . Minha primeira medalha de Melbourne, foi dada a ele. Eu não teria conseguido isso sem o trabalho dele.

A entrevista completa de Larissa Latynina está disponível no site do El País, em espanhol.

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Gabriel Lima
Gabriel Lima
Gabriel Lima é jornalista, formado pela Universidade Federal do Pará. Já participou da cobertura dos Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires, 2018. Na ocasião, esteve responsável pelas notícias e atualizações da ginástica artística.

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