Como começou o boicote de 1980?

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“O boicote será um grande golpe para a URSS. Mas, talvez mais importante, o colapso destas Olimpíadas poderá causar um verdadeiro choque na sociedade soviética”

Costuma-se dizer que o esporte deve estar separado da política. Isso é discutido pelos próprios atletas, treinadores, funcionários e torcedores. A história tem mostrado que esporte e política estão intimamente ligados. Existem muitos exemplos disso e, há 39 anos, uma das histórias mais intrigantes que ligam o esporte à política começou exatamente hoje.

Em 20 de janeiro de 1980, o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, fez uma declaração na qual pediu a suspensão de todos os contatos com a União Soviética e a transferência dos Jogos para outro país, como, por exemplo, a Grécia. Caso contrário, os EUA boicotariam o evento. O motivo desse anúncio foi a invasão das tropas soviéticas no Afeganistão.

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No entanto, essas ideias estavam no ar antes disso. Em agosto de 1978, um grupo de congressistas americanos já levantavam a possibilidade da mudança de local dos Jogos. O motivo seria a perseguição de dissidentes pelas autoridades soviéticas. O congresso enviou cartas ao Comitê Olímpico Americano (USOC) e ao COI (Comitê Olímpico Internacional) solicitando a mudança.

Cerimonia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Moscou. O Boicote não foi suficiente para apagar a mágia do espetáculo.
Cerimonia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Moscou. O Boicote não foi suficiente para apagar a mágia do espetáculo.

Acredita-se que a invasão do Afeganistão tenha sido apenas um pretexto para o boicote e que o verdadeiro motivo esteja na Guerra Fria e na insatisfação das Olimpíadas serem em Moscou. Além disso, após a URSS terminar em primeiro no quadro geral de medalhas de Montreal 1976, os EUA temiam que isso acontecesse novamente.

“Nós não queremos ler nos jornais que os Estados Unidos perderam apenas para a União Soviética”

No entanto, a situação no Afeganistão realmente preocupava as autoridades dos EUA. Zbigniew Brzezinski, um famoso cientista político americano, que na época era o conselheiro de segurança nacional de Carter, estava particularmente preocupado. “O Afeganistão é o sétimo estado, desde 1975, que os comunistas chegaram ao poder com armas e tanques soviéticos”, alertou Brzezinski ao presidente.

“Um boicote pode despertar a imaginação do povo americano”

Curiosamente, a ideia de um boicote não foi expressa pela primeira vez nos Estados Unidos. Esta ideia foi dada pelo representante da Alemanha na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Rolf Pauls, mas rapidamente tomou as mentes americanas. De acordo com o professor Nicholas Sarantakes, em uma reunião dedicada a essa questão, Carter disse que a idéia de um boicote até o deixou com calafrio.

O vice-presidente Walter Mondale acreditava que um boicote “poderia despertar a imaginação do povo americano”. O consultor jurídico da Casa Branca, Lloyd Cutler, não estava tão otimista e acreditava que o boicote em si não serviria para nada. Ao mesmo tempo, ele não viu nenhum problema na implementação desta ideia – foi possível retirar os passaportes dos atletas e, assim, não permitir que eles fossem para o exterior.

O diretor da CIA, Stansfield Turner, concordou com Cutler, acreditando que um boicote não apenas não resolveria problema algum, como também poderia criar novos. “Os soviéticos poderão atuar como injustiçados diante de uma plateia internacional e usar isto para exacerbar as tensões entre os Estados Unidos e os países que não boicotaram, incluindo alguns aliados dos americanos”,  ele disse.

Mas havia outras opiniões. Ainda em janeiro de 1980, Robert Kayser, um ex-correspondente do The Washigton Post em Moscou, escreveu: “Não se pode subestimar a importância que os soviéticos atribuem a serem anfitriõess dos Jogos. Eles sentem estas Olimpíadas como um dos maiores eventos em sua história moderna. O boicote será um grande golpe para a URSS. Mas, talvez mais importante, o colapso destas Olimpíadas poderá causar um verdadeiro choque na sociedade soviética”.

“Será patriótico mandar uma equipe para Moscou e chutar o traseiro deles em casa”

No entanto, sobre a “imaginação do povo americano”, Mondale estava parcialmente certo. A idéia de um boicote rapidamente ganhou popularidade na sociedade e foi apoiada por 55% dos americanos.

“Nenhum boicote mudará a opinião dos soviéticos e eles não vão retirar suas tropas do Afeganistão. Eu sou um patriota, como qualquer outro americano, e acredito que será patriótico mandar uma equipe para Moscou e chutar a bunda deles em sua casa”, disse o representante dos EUA no COI Julian Roosevelt ao The Washigton Post.

No mesmo texto, o diretor executivo do USOC, Don Miller, advertiu que, de acordo com a Carta Olímpica, no caso de um boicote aos Jogos de 1980, os atletas americanos não poderão participar da edição seguinte das Olimpíadas.

Nenhum dos argumentos foi suficiente para convencer as partes. Em 21 de março de 1980, o presidente dos Estados Unidos anunciou oficialmente que o país não participaria da vigésima segunda edição dos Jogos Olímpicos, que aconteceria entre 19 de julho e 3 de agosto daquele ano, em Moscou, URSS.

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Gabriel Lima
Gabriel Lima
Gabriel Lima é jornalista, formado pela Universidade Federal do Pará. Já participou da cobertura dos Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires, 2018. Na ocasião, esteve responsável pelas notícias e atualizações da ginástica artística.

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